segunda-feira, 7 de março de 2011

Agenda do Coração

Passavam já das dezanove horas. Como era habitual, Jorge regressava a casa depois de mais um dia de trabalho. Vinha no seu carro, em plena auto-estrada, prestes a chegar ao posto de portagem onde, normalmente, era atendido pelo senhor Nicolau, seu amigo e sobretudo conselheiro.
Nicolau era um homem sábio, bastante experimentado e de espírito aberto apesar dos seus cinquenta e oito anos. Era baixo e anafado mas possuía uma vitalidade invejável. Gostava de conversar com todos os condutores que a si se dirigiam, especialmente, com os que regularmente ali passavam. Talvez, por essa razão, não fosse estranho que muitos automobilistas se dirigissem automaticamente à cabina do senhor Nicolau.
Naquele instante, era Jorge que se acercava do local de trabalho do seu admirável amigo e ansiava falar com ele para desabafar.
- Bons olhos o vejam, menino Jorge. Então como vai? – saudou, carinhosamente.
- Vou indo… Tenho andado extremamente tenso e atarefado! Por isso, não tenho tido muito tempo para conviver e acima de tudo para dar a devida atenção à família. – lamentou-se Jorge.
Nicolau sabia que a mãe de Jorge estava hospitalizada, então, fez um reparo de forma algo rude e reprovadora ao rapaz, fitando-o no olhar. De seguida, disse bruscamente:
- São dois euros e sessenta, por favor.
Jorge, algo aborrecido, passou-lhe uma nota de cinco euros para a mão e esperou o troco. Não entendera a sua mudança repentina de humor. Se calhar está indisposto, pensou.
- Aqui está o troco e o respectivo recibo. Aconselho-te a relaxar e a meditar seriamente na tua vida. Acredita que é para teu bem. Continuação de boa viagem!
Queria ripostar mas como a fila de carros atrás de si se ia avolumando e vários condutores buzinavam, protestando, despediu-se e arrancou rapidamente. Durante o resto da viagem de regresso foi reflectindo tal como Nicolau o aconselhara.
Chegou a casa e recostou-se no sofá. Mal teve tempo para o fazer porque foi interrompido pelo telefone.
- Boa noite. Quem fala? – perguntou.
- Boa noite. Sou a doutora Lucília e falo-lhe do hospital. É o senhor Jorge?
- O próprio.
- Receio ter más notícias. O estado de saúde da sua mãe agravou-se pelo que julgo ser adequado fazer-lhe uma visita. Ela disse-nos que prometeu visitá-la. Portanto, posso contar consigo amanhã? – questionou a médica.
Hesitou uma vez que teria de faltar ao trabalho, no entanto, Jorge respondeu afirmativamente.
- Então, até amanhã! Vou já dizer-lhe, o que vai, com certeza, animá-la e, quem sabe, trazer-lhe algumas melhorias.
- Até amanhã…- despediu-se Jorge com um aperto no coração.
Após desligar a chamada, não quis jantar e deitou-se, contudo, a sua noite foi mal dormida. Tudo lhe vinha à cabeça e o sentimento de culpa incomodava-o. Mal amanheceu, pôs-se a caminho do hospital.
Quando chegou, caminhou pensativo pelos longos corredores da enfermaria onde a sua mãe estava internada. Como estaria e o que lhe diria eram dúvidas que assaltavam o seu espírito.
De repente e ao longe, viu de costas um vulto que muito se assemelhava com Nicolau. Chamou-o e este voltou-se. Era, efectivamente, Nicolau, que segurava um pequeno ramo de flores. Aproximou-se e o primeiro impulso foi abraçá-lo. Fê-lo longamente, como se de um pai (que já não tinha) se tratasse, e, assomaram-se-lhe as lágrimas aos olhos.
- Que bom vê-lo por aqui! Tem aqui algum familiar hospitalizado e vem visitá-lo? – questionou Jorge, que ainda não percebera que ele também estava ali para visitar a sua mãe.
- O propósito da minha vinda aqui é visitar a tua mãe. E tu? O peso da consciência incomodou-te, meu rapaz?
- Sim. Agora entendo porque me tratou daquela forma ontem. Bem o mereci. – respondeu cabisbaixo.
- Escuta e retêm este ensinamento que tenho para te dar: o trabalho é importante e necessário mas não deve suplantar outros valores mais altos. O que verdadeiramente importa é a agenda do coração e não da cabeça! – após uma breve pausa, continuou - A ausência dói e é a causa de todos os males! Fico feliz por saber que, finalmente, te encontraste.
Sem mais demoras, dirigiram-se, em conjunto, ao quarto da mãe de Jorge. Quando estavam já próximos, Jorge adiantou-se e correu para os braços da sua progenitora. Ao vê-lo, irradiou uma alegria incomensurável, mostrando já sinais de estar melhor.

MartaBarros

O mito de Soleil e Luna

Dia miraculoso surge na história do Reino de Venúcia. A rainha, quem julgavam ser infértil, deu à luz o futuro herdeiro do trono, o príncipe Soleil.
Este, por ter sobrevivido a um parto extremamente complicado, foi sempre muito mimado pelos seus pais. Além disso, consideravam-no obra dos deuses, sendo, por essa razão, venerado por todos.
Quando este completou dezasseis anos, levado pela rebeldia da adolescência, cometeu um terrível crime que envolvia a morte do seu pai. Luna, serva da família, fora a única a presenciar a situação, e, como por instinto, sentiu-se obrigada a assumir as culpas. Desta forma, salvaguardaria o tão precioso príncipe, que garantia a estabilidade do reino.
No dia seguinte, a rapariga entregou-se às autoridades que ficaram um tanto perturbadas com a sua atitude. Como o Rei falecera, cabia agora a Soleil definir a sentença da pobre Luna. Embora se sentisse bastante culpado, condenou-a prisioneira perpétua. O povo não demonstrou contentamento a cerca da sua decisão, pois, afinal de contas, o crime havia sido grave e a punição aplicada deveria ser mais severa, isto é, condená-la à forca.
Para que ninguém desconfiasse, ele visitava-a, anualmente, no escuro da noite, enquanto os outros dormiam. A sua primeira visita foi algo constrangedora.
- Boa noite… – disse ele, receoso.
- Oh, formoso Soleil, a que devo a honra desta visita? – interrogou Luna, que fazia uma vénia.
- Por favor, levantai-vos! Não me fazeis sentir mais culpado. Porque haveis feito tal sacrifício por mim?
- Permita-me a ousadia, mas eu amo-vos, meu senhor. – soluçou ela.
O jovem estava incrédulo. Não conseguia acreditar nas palavras da serva. Então, sem proferir mais nada, retirou-se. Luna não saía do seu pensamento e isso inquietava-o, contudo, continuou a visitá-la durante anos e, cada vez mais, se sentiam unidos pelas chamas da paixão.
Numa das noites em que ia visitá-la, Soleil, tragicamente, deparou-se com um cadáver. O seu fraco coração não aguentou tamanha desilusão e parou. O príncipe, que se havia tornado Rei, tombou, deixando de respirar. Posteriormente, as almas dos dois amantes ascenderam ao escuro céu, envolvendo-se loucamente e formando o imponente eclipse.
Actualmente, podemos ainda observar este fenómeno natural que resulta de um longo abraço entre o sol e a lua, nomes dados em homenagem a Soleil e Luna.

MartaBarros